"Esse é de praxe. E nem precisa estar em trabalho de parto! Basta estar grávida. Tem médico que faz toque em toda santa consulta do pré-natal. Gente, outro procedimentozinho desagradável e, na maior parte das vezes, dispensável. E como todo procedimento dispensável, pode sim atrapalhar e mais que isso! Pode até ser um vetor de bactérias, fungos e vírus, principalmente durante o trabalho de parto e com a bolsa rota (depois que rompe a bolsa de água).
Pra que serve?
O Exame de toque serve para avaliar a condição do colo do útero da gestante/parturiente através da textura, posicionamento e dilatação do colo, por que pro bebê nascer, o colo precisa dilatar. Assim, através do toque, se pode avaliar o andamento do trabalho de parto, se está de acordo com o desejado ou se é necessário intervir de alguma forma. A OMS sugere que sejam feitos periodicamente (aproximadamente a cada duas horas), para adequado preenchimento do partograma, que é um gráfico, uma ferramenta, que permite analisar a evolução do trabalho de parto e, em conjunto com os demais sintomas e características observadas pela equipe, ajuda a decidir se e quando é hora de intervir (não signfica fazer uma cesária necessariamente, mas quem sabe sugerir uma outra posição, uma caminhada, uma massagem ou até mesmo uma alternativa medicamentosa, como o uso de ocitocina sintética ou até analgesia).
Como funciona?
O examinador introduz DOIS dedos na vagina da gestante/parturiente e toca o colo, que fica lá dentro, lá no fundo. Ele pressiona (supostamente de leve) para verificar se está macio ou firme, tateia para identificar a posição e pela distância da abertura dos dedos, ESTIMA o quão dilatado está. Ou seja, ninguém mede com exatidão, não há um instrumento específico para medição e também não são introduzidos DEZ dedos para dizer que está com oito, nove ou dez dedos de dilatação. Em geral, o colo fica com aproximadamente 10 centímetros quando a dilatação está completa. Mas isso é uma aproximação, uma média. O ideal é pensar nestes valores como porcentagens onde 1 é 10% e 10 é 100%. Então quando um colo tem 6 cm de dilatação, significa que está 60% dilatado. E sendo uma medida subjetiva, também varia de examinador para examinador. O que é 7 pra mim pode ser 6 pra ti ou seja… Não é o valor em si que importa e sim o fato de ter aumentado a dilatação ou não. Por isso não há sentido em ser feito por mais de um examinador.
Tá, mas qual o problema afinal?
Vamos começar pelo exame de toque no pré natal. Você, uma gestante saudável, grávida de oito semanas, vai no GO e ele fala que vai fazer exame de toque. Me diga: PRA QUÊ? Você está em TP? Teve sangramento recente? Algo que justifique tal conduta? Não. Você está perfeita e radiante. Ai faz um exame que por si já é desagradável, pois, piadinhas à parte, é sim, chato e incômodo ter um estranho introduzindo dois dedos na sua vagina, por mais que procure relaxar e olhe pro teto pensando amenidades, é CHATO, DESAGRADÁVEL E CONSTRANGEDOR. Dependendo da experiência e da delicadeza do examinador e da sua capacidade de relaxar nessas condições, é um exame que pode doer sim, e bastante. Pra completar, a estimulação mecânica do colo pode causar um leve sangramento e até cólicas (meus dois filhos nasceram após exames de toque). Preciso falar que cólicas e sangramento são um pacote pânico perfeito pra qualquer grávida? E a troco de quê? De nada, por curiosidade, pra dizer que fez.
“Ah, mas no fim da gestação é bom fazer, pra ver se tem dilatação”. Tá. Pode espiar se está curiosa e estando ciente de que pode te dar cólicas e sangramento, então, sem pânico. Mas não ter dilatação com 38 semanas NÃO QUER DIZER NADA! Aliás, não ter dilatação com 40 semanas também não quer dizer nada. Você precisa dilatar DURANTE o parto e não antes dele.
Agora, durante o TP: ao chegar na maternidade, casa de parto ou quando a equipe chegar em sua casa provalmente farão um toque. Geralmente não é considerado parto ativo se você não tiver mais que 3 ou 4 cm de dilatação. A conduta, neste caso DEVERIA se expectante ou seja, vamos esperar e ver no que dá, por que pode ser alarme falso, pode parar e recomeçar dali a 3 dias.
Mas se a dilatação é maior que quatro e for constatado que de fato a mulher está em trabalho de parto, não há por que fazer toque de meia em meia hora. O toque atrapalha por que muitas vezes a mulher é colocada em posição de litotomia para realização do exame, que é uma postura incômoda (e perigosa). Muitas vezes precisa parar o que está fazendo e se desconcentra para fazer o exame. Além de tudo, dói. O ideal é que seja feito entre as contrações e não durante uma, com a mulher na posição mais cômoda para ela e não para o examinador. E obstetras, obstetrizes e parteiras experientes, sabem existem outros sinais muito mais relevantes de que o TP está progredindo. A duração das contrações, a intensidade delas, o intervalo entre elas, o próprio estado de consciência da mulher, tudo isso aponta para o estágio do TP em que a mulher se encontra.
Depois que a bolsa que contém o líquido amniótico se rompe, não há mais a barreira mecânica entre o bebê e o meio externo e assim, microorganismos podem contaminar o ambiente uterino. Portanto, após a ruptura da bolsa, deve-se ter ainda mais cautela com o exame, que pode servir como vetor de microorganismos patológicos.
Outra coisa que me perturba são aqueles relatos de mulheres que receberam o toque de DIVERSOS examinadores. Principalmente em hospitais universitários, 10 ou mais alunos usam aquela mulher como cobaia pra aprenderem a fazer o toque. E ela ali, desconfortavelmente deitada, indefesa e constrangida, aceita esta invasão calada. Ninguém é obrigada a aceitar. E eles não podem fazer isso sem pedir autorização para a parturiente. É violência obstétrica das mais graves.
Também pode ser usado como forma de subjulgar e castigar a mulher, com um exame de toque mais invasivo e dolorido como tortura, para que cale ou pare de gritar. Infelizmente, acontece.
Abre o olho, mãezinha!
* Tem gente que dilata aos pouquinhos, devagar, chega até 3, quiçá 4 de dilatação assim, sem nem ver, durante os pródromos. Bom pra elas, na hora de parir, vai faltar menos (o que não quer dizer que vá ser mais rápido afinal, cada parto é um parto). Mas não ter dilatação antes de estar em trabalho de parto é perfeitamente normal. Assim, não ter dilatação com 38 semanas não é motiova pra agendar uma cesariana e não quer dizer que você não tem passagem. Não tem por que não é hora do bebê nascer. Simples assim.
* Geralmente o SUS não interna mulheres com menos de 3 cm. Mandam dar uma voltinha e retornar se não passar. Mas na rede privada, pode apostar! Se chegar lá com mais de 38 semanas e com dor, mesmo que seja dor de barriga, mesmo que não haja dilatação, eles vão internar a gestante, vão colocar ela no soro (aliás, vão primeiro perguntar se ela quer chamar o médico dela pra fazer a cirurgia) e depois de fazerem de conta que estão tentando, vão olhar pra ela com cara de dó falar que há três horas ela não sai dos dois centímetros e que precisam operar. Não, não estou exagerando e não conheço um ou dois casos. Conheço centenas de relatos de mulheres que foram levadas para a cirurgia por não terem dilatação aos 2 cm ou seja, nem estavam em trabalho de parto ativo ainda.
E como foi comigo?
Fiz toque na primeira gestação, tinha um que fazia em toda consulta. Eu odiava. Depois de trocar de GO 3 x e achar um com quem me identifiquei (que fez o toque na primeira consulta, não sei pra que, pra ter certeza de que eu era mulher e tinha uma vagina, quem sabe…) eu só voltei a fazer toque com 39 semanas. Na época, eu estava à 240 km de casa e queria saber se havia algum sinal de trabalho de parto iminente para que meu marido pudesse vir acompanhar o parto a tempo. Resultado: NADA DE DILATAÇÃO. Mas tive cólica e um leve sangramento. No outro dia ainda tinha colica e no outro dia meu filho nasceu, rsrsrs.
Na segunda, foi um parto domiciliar planejado e o obstetra tinha uma viagem marcada para o fim da semana, eu fechava 40 semanas no dia da consulta, já vinha com cólicas e perdendo o tampão mucoso há cerca de quatro dias. Além disso, cerca de 260 km nos distanciavam e eu queria ter uma vaga idéia de a quantas andava meu colo. PAra minha decepção, cerca de 1 cm. O toque me deixou com uma baita cólica, as contrações que eu já estava tendo há dias se intensificaram e Vini nasceu menos de 24 horas depois.
E agora? Nunca saberei se de fato era a hora de eles nascerem ou se o estímulo mecânico influenciou, mas enfim, foi. Sempre me dizem que não, que não foi o toque. Mas a pulguinha morrerá atrás da minha orelha e não consigo entender por que, mesmo sabendo que não quer dizer nada, fiz."
Por Cyscheffer, Mãe, mulher, mamífera. Apaixoixonada pelo universo de parto e maternagem natural, em constante aprendizado e mutação.