Quando eu, como doula, falo para uma mulher em pleno trabalho de parto ativo para desejar a contração eu recebo “o” olhar. O olhar é uma maneira educada de dizer “você está brincando com a minha cara”.
Essa não é uma gestante qualquer. Ela é aquela que nas rodas de humanização do parto chamamos de mulher empoderada. Ela estudou, buscou ajuda, entendeu como o sistema funciona, trocou de médico, enfim, se empoderou e saiu da matrix. Ela frequenta grupos de gestantes, conhece as indicações fictícias de cesárea na ponta da língua e leu 457 relatos de parto. Ela está tranquila, ela não tem medo da dor, ela entende que tudo é parte do processo.
Então chega o trabalho de parto. E ele é lento, muito, muito lento. E também intenso, muito, muito intenso. Com o passar das horas, a intensidade e a percepção da dor vão aumentando e aquela vontade inabalável, todas as certezas, todos os textos, relatos, crenças e princípios começam a desmoronar. Ela já tentou todas as posições possíveis e nada alivia mais. Ela ouviu o choro de vários bebês nascidos um após o outro nas cesáreas realizadas na sala ao lado, mas nada do seu bebê. Ela se pergunta o que está fazendo ali. Ela começa a dizer que não vai aguentar, que não vai dar conta. Ela começa a ter medo da contração. Essa mensagem pode até não estar na fala, mas está no corpo. E o corpo entende! As contrações começam a espaçar, como se também tivessem medo da mulher.
Esse é um momento delicado. A contração, na maioria das vezes, traz dor, mas também vai trazer o seu filho. Fugir da contração é fugir desse encontro. É preciso desejar a contração, render-se a essa onda que tomará conta do seu corpo, entregar-se sem medo. Porque o parto é esse evento sensível em que um simples ato ou pensamento pode mudar os rumos de tudo, uma vez que ali não está apenas uma fêmea e seus instintos, mas uma mulher que tem sua história, seus receios, seus traumas.
Por isso, eu repito: é preciso desejar a contração. Talvez ela queira me matar por ter dito isso. Talvez essa fala reacenda uma chama de força dentro dela. Talvez ela queira me matar e reacenda uma chama de força dentro dela. E está tudo certo. É pra isso que a doula está ali. Não é para fazer massagem, colocar música, apagar as luzes, é para dar apoio. E o apoio pode ser lembrar essa mulher da importância da sua escolha e da força que ela tem, do quanto ela lutou para chegar a este exato instante. Do quanto ela desejou este momento. Então seu corpo, suas entranhas, sua alma (ou o que quer que ela acredite que exista) desejam a contração. E a contração vem. E seu filho nasce. Amém!